Y Leia a sentença judicial publicada na imprensa oficial de 19/08/2011 em sua íntegra conformando liminar que já estava concedida na ação civil pública:
PODER JUDICIÁRIO – 4ª
VARA CÍVEL – COMARCA DE MARÍLIA-SP- Processo Cível n. 1.754 / 2010.
S E N T E N Ç A. V I S T O
S, E. T. C. Síntese sentencial : 1. Ação Civil Pública proposta pela
União Protetora dos Animais de Marília – São Francisco de Assis – UPAM -
com o escopo de obter uma ordem judicial consistente de “obrigação de
não fazer ou de abstenção ” contra a Prefeitura e Entidades Particulares
que se utilizam indevidamente de animais em rodeios ou festas do peão
boiadeiro. 2. Hipótese em que a fauna – e a flora – merece especial
proteção do Estado e da Coletividade. 3. Caso em que os animais –
presentes da Natureza - integram a paisagem terrena, o ecossistema e a
biodiversidade com habitat natural que não compete ao homem modificá-lo
para impor mais sofrimento ou crueldade aos seres já desprovidos de
racionalidade. A cota de sacrifício dos bichos já fica nos frigoríficos.
4. A razão humana, e entre nós, a razão também constitucional
brasileira indicam a “educação” para fins de preservação das espécies e
da função ecológica, vedadas, portanto, todas as formas de crueldade ou
tratamentos inadequados contra os seres considerados inferiores em
geral. Inteligência do art. 225, incisos VI e VII, da Constituição
Federal c.c. art. 21 da Lei Estadual n. 11.977 de 25.08.2005.
Sacrifícios físicos e alimentares, torturas, treinamentos sofríveis e
cativeiros inadequados para os animais não podem representar atividade
cultural dos racionais e tão somente para passatempo dos espectadores já
saciados com a morte de outros destinados à subsistência humana. 5.
Ação procedente para impedir a exibição e a utilização de animais em
quaisquer espetáculos ou atividades de rodeios e similares. 1. A UNIÃO
PROTETORA DOS ANIMAIS DE MARÍLIA – SÃO FRANCISCO DE ASSIS – UPAM -,
ajuizou uma ação civil pública ambiental contra a PREFEITURA DE MARÍLIA,
contra a empresa SAFRA EVENTOS e também contra a empresa S.A.M
SOCIEDADE AGROPECUÁRIA DE MARÍLIA, objetivando uma ordem judicial que
determinasse às entidades-requeridas que abstivessem de realizar
quaisquer eventos típicos de rodeios com animais e de utilizar quaisquer
instrumentos ou aparelhos capazes de provocarem dor e sofrimentos aos
referidos animais, inclusive provas torturantes ou causadoras de
maus-tratos como “bulldogging” ( derrubada de boi ), “team roping” (
laço em dupla), “calf roping”( laço de bezerro ), “laçadas em geral”,
derrubadas”, “rodeios mirins”, “vaquejadas”, “mesas da amargura”,
“provas do tambor”, etc, considerando-se especificamente a proibição
para os rodeios a serem realizados nos dias 11, 12, 13, 14 e 15 de
novembro de 2010, em Marília, na sede do Recinto Santo Barion” ou
“Recinto da antiga Examar”, tudo com utilização de bois, bezerros,
touros, cavalos, ovelhas, carneiros, pôneis, etc , e com afronta das
Leis 7.347 de 24.07.1985 e Lei Estadual n. 11.977, de 25.08.2005, e
artigo 225, inciso VII, da Constituição Federal. Pediu-se, pois, a
cominação de multa diária de 300 mil reais para a hipótese de
descumprimento da ordem judicial e realização dos rodeios e/ou eventos
similares. 2. Deferida a medida liminar nas fls. 110/112 – e sem recurso
da parte interessada ao Egrégio Sodalício – as entidades-rés foram
devidamente citadas ( fls.118 ) e apenas a Prefeitura de Marília bem
contestou a ação nas fls. 120/128 e pediu a improcedência da ação, não
sem antes arguir a ilegitimidade passiva, frisando-se que atividade de
rodeio era permitida e legal e não havia maus tratos aos animais. A
Autora é quem estava confundindo a interpretação das leis. Já as
empresas-rés Safra Eventos e S.A.M-SOCIEDADE AGROPECUÁRIA DE MARÍLIA
preferiram o silêncio e a revelia conforme certidão de fls. 129 dos
autos. 3. A relação jurídica processual se desenvolveu regularmente e
foi garantido o amplo contraditório, inclusive com réplica da Autora nas
fls. 131/135. Processo em ordem. 4. ESSE, O SUCINTO RELATÓRIO. DECIDO.
4.1. Cuida-se de ação civil pública visando uma ordem judicial de
abstenção da utilização de animais em festa de peão ou rodeios e, no
caso vertente, os argumentos das partes e os documentos já juntados nos
autos permitem o julgamento antecipado da lide. Há fatos notórios,
confessados e incontroversos ( CPC, arts. 330, I, e 334, I, II e III ).
Pois bem. De antemão, rejeito as matérias preliminares. As partes são
legítimas e existe possibilidade jurídica do pedido. O Município é quem
concede o Alvará para a festa ou rodeio ( fls. 122 ) e, portanto,
contribui para a realização de evento doloroso para os animais. A
Prefeitura participa da cadeia de contribuintes da festa ou do rodeio. O
mais, constitui matéria de mérito, frisando-se que quanto às duas
empresas-rés Safra Eventos e S.A.M – Sociedade Agropecuária de Marília –
aplica-se no caso o disposto no artigo 319 do C.P.C, presumindo-se
verdadeiros os fatos articulados na petição inicial em virtude do
silêncio e da revelia das aludidas Rés ( ( fls.129 ). 4.2. E, pelo
mérito da disceptação, tem-se que a Constituição Federal dispõe que
todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio,
competindo ao Poder Público promover a educação ambiental em todos os
níveis de ensino, assim como proteger a fauna e a flora, vedadas, na
forma da lei, as práticas que coloquem em risco a função ecológica,
provoquem a extinção de espécies OU SUBMETAM OS ANIMAIS A CRUELDADE em
sentido amplo (C.F, art. 225, VI e VII ). Por outro lado, a Lei Estadual
n. 11.977/2005, estabelece a proibição categórica de apresentação e
utilização de animais, INDEPENDENTEMENTE DA OCORRÊNCIA OU NÃO DE
MAUS-TRATOS ( arts. 21 e 25 ).
Realmente, a fauna – e a flora – merece especial proteção do
Estado e da Coletividade. A rigor, os animais – presentes da Natureza -
integram a paisagem terrena, o ecossistema e a biodiversidade com
habitat natural que não compete ao homem modificá-lo para impor mais
sofrimento ou crueldade aos seres já desprovidos de racionalidade. A
cota de sacrifícios dos bichos já fica nos frigoríficos. A razão humana,
e entre nós, a razão também constitucional brasileira indicam a
“educação” para fins de preservação das espécies e da função ecológica,
vedadas, portanto, todas as formas de crueldade ou tratamentos
inadequados contra os seres considerados inferiores em geral.
Inteligência do art. 225, incisos VI e VII, da Constituição Federal c.c.
art. 21 da Lei Estadual n. 11.977 de 25.08.2005. Na verdade,
sacrifícios físicos e alimentares, torturas, treinamentos sofríveis e
cativeiros inadequados para os animais não podem representar atividade
cultural dos racionais e tão somente para passatempo dos espectadores já
saciados com a morte de outros destinados à subsistência humana. Os
documentos de fls. 106/109 são elucidativos sobre os sacrifícios e maus
tratos aos animais, como são esclarecedores os venerandos acórdãos de
fls.76/105, ora acolhidos. E sintomática a revelia das duas Rés ( fls.
129 ). Acrescente-se que,
independentemente da ausência de maus tratos aos animais ou de
existência de autorização do IBAMA ou de Órgão competente, a rigor, o
Código de Proteção aos Animais do Estado de São Paulo ( Lei Estadual n.
11.977 / 2005 ) e o Decreto n. 24.645 / 34 vedam a apresentação ou a
utilização de animais em espetáculos inclusive circenses,
independentemente da existência ou não de abusos ou de crueldades. A
rigor, a Constituição Federal também garante o meio ambiente
ecologicamente equilibrado de tal modo que já não é mais possível que a
indiferença humana contribua para o eterno martírio e crueldade contra
os animais que, inclusive, estão longe do habitat natural ( C.F, art.
225, VI e VII ). 4.3. Ora, já decidi antes em outra ação de n.
1.458/2008 contra uma empresa circense (fls.66/70) e também na ação n.
1.512/2009 ( fls.64/65), que no quadrante atual da civilização é
perfeitamente possível a realização de espetáculos públicos e circenses
sem a utilização de animais, devendo-se sim ser enaltecido o trabalho
humano de vários atores e artistas com seus talentos e habilidades
pessoais e próprias, proporcionando a geração de mais empregos. Não se
deve subjugar ou torturar somente para diversão pública nossos seres
inferiores. O Tribunal Paulista manteve nossa decisão com a seguinte
ementa : “Agravo de Instrumento ( Marília ) – Ação Civil Pública
Ambiental – Deferimento de tutela antecipada, consistente em
determinação à empresa-ré para abster-se de exibir animais em seus
espetáculos e como propaganda, sob pena de multa – Comprovação, de
pronto, da relevância do fundamento da demanda e de justificado receio
de ineficácia do provimento final – Aplicação do art. 461, “caput”, e
parágrafo 3º, do CPC – Recurso não provido” ( TJ-SP-, Câmara Especial do
Meio Ambiente, Agr. Instr. N. 826.535-5/2-00-Marília, julgado em
07/maio/2009, Rel. Desembargadora Zélia Maria Antunes Alves-fls.72/73 ).
Noutro precedente judicial, ainda que por analogia, decidiu-se que :
“Sentença – Ação Civil Pública – Utilização de animais em espetáculo
circense. Infração à Lei Estadual n. 11.977/2005. Proibição categórica
de apresentação e utilização de animais, independentemente da ocorrência
ou não de maus-tratos. Reconhecimento pela Lei de que esta conduta
acarreta aos animais uma cruel e abusiva subjugação. Obrigação de não
fazer. Procedência decretada”(“in” “Caderno Jurídico da Escola Paulista
da Magistratura, ano 8, número 30, maio-agosto de 2007, páginas 23-28,
Rel. Juiz Gustavo Alexandre da Câmara Leal Belluzzo, S.J. dos Campos, j.
em 28/02/200l7 ). 4.4. Verifica-se, em suma, quando se trata de exibir
ou utilizar animais em eventos públicos e de diversão para a massa,
inclusive em festas do peão-boiadeiro, existe ora um transporte
irregular ou precário de animais, ora espaços reduzidos e torturantes,
ora a fome e sede dos bichos como forma de se exigir comportamentos com
recompensas posteriores, ora flagrantes maus tratos. E o Tribunal
Paulista já elucidou : “Conforme vem sendo decidido por este Tribunal,
os instrumentos utilizados para que os animais, sejam bovinos ou
equinos, pulem ou corcoveiem durante os eventos de rodeio, impõem
sofrimento, dor, tortura ou até mesmo “cócegas”. E tal prática deve ser
afastada” ( TJ-SP, Câmara do Meio Ambiente, Ap. n. 612.861.5/4-00-Capão
Bonito-SP, Relatora Desembargadora Regina Zaquía Capistrano da Silva ).
4.5. Anote-se mais o
seguinte sobre o efeito erga omnes da sentença presente na ação civil
pública : “Com o advento da Medida Provisória n. 1.570-5, que, tempos
depois, foi convertida na Lei n. 9.494/1997, atribuiu-se nova redação ao
art. 16 da Lei da Ação Civil Pública, para restringir a eficácia aos
limites da competência territorial do òrgão prolator. Esta regra é um
verdadeiro absurdo. De flagrante inconstitucionalidade, por violação aos
princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da isonomia, na
medida em que aniquila exatamente a principal virtualidade de uma
decisão coletiva, que é a eficácia “erga omnes” irrestrita. Felizmente,
não tem sido acatada pelo Poder Judiciário, mesmo porque, regra idêntica
foi mantida no Código de Defesa do Consumidor ( art. 103 ), que pode
muito bem ser invocada, uma vez que disciplina também, a ação coletiva. A
se considerar a atual redação do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública,
chegaríamos a situações absurdas e inusitadas..(...)” ( A.I. n.
2002.04.01.008635-0/RS, 5ª T., Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz,
“in” Jurisprudência Comentada por Gustavo Felipe Barbosa Garcia, na
Revista de Processo n. 115, p. 248/256, “in” Revista IOB de Direito
Civil e Processo Civil n. 55, set-oub/2008, página 130 ).
E mais : “Presentes os pressupostos
legais, deve ser deferida a antecipação dos efeitos da tutela
jurisdiconal. A modificação da redação do art. 16 da Lei bn. 7.347/1985
pela Lei n. 9.494/1997, desacompanhada da alteração do art. 103 da Lei
n. 8.078/1990, por parcial restou ineficaz, inexistindo por isso
limitação territorial para eficácia “erga omnes” da decisão prolatada em
ação civil pública, baseada quer na própria Lei n. 7.347/1985, quer na
Lei n. 8.078/1990” ( Ag. 1999.04.01.091925-5/RS, 4ª T., Rel. Des. Fed.
Valdemar Capeletti, DJU de 13.12.2000, pág. 269, “in” Revista IOB de
Direito Civil e Processo Civil n. 55/2008, pág. 131 ).
Enfim, é possível a liquidação e/ou execução
de sentença como processo autônomo no mesmo ou noutro Juízo, certo que,
dependendo da espécie de interesse metaindividual tutelado, a sentença
fará coisa julgada erga omnes e/ou ultra partes ( CDC, art. 103, I, II e
III ). E atente-se para a Súmula 410 do STJ : “A prévia intimação
pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de
multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer
“(Referência : CPC, art. 632 ). 5. A CONCLUSÃO. Ante o exposto, JULGO
PROCEDENTE a ação civil pública ajuizada pela UNIÃO PROTETORA DOS
ANIMAIS DE MARÍLIA – SÃO FRANCISCO DE ASSIS – UPAM - contra a PREFEITURA
DE MARÍLIA, a empresa SAFRA EVENTOS e também contra a empresa S.A.M –
SOCIEDADE AGROPECUÁRIA DE MARÍLIA, e consequentemente torno definitiva a
medida liminar de fls.110/112 nos termos do artigo 461 e parágrafos do
Código de Processo Civil, e determino que as entidades-requeridas e a
Prefeitura de Marília, com as ressalvas abaixo, se abstenham de realizar
rodeios-festas e de apresentar e utilizar os animais nas formas e
condições acima mencionadas no item “1º” da presente sentença, vedados
os rodeios com os animais nos dias 11, 12, 13, 14 e 15 de novembro de
2010 – e outros posteriores - na Arena da antiga “Examar” ou noutro
lugar, assim como vedada a utilização dos aparelhos e instrumentos
também acima mencionados no referido item 1º da presente sentença, tudo
sob pena de multa diária para cada Réu de 50 mil reais pelo
descumprimento da ordem judicial e utilização de qualquer animal ( por
cabeça ), corrigida a partir do ajuizamento da ação e sem prejuízo das
medidas de interdição ou fechamento do local, não devendo a Prefeitura
expedir qualquer Alvará que, se já expedido, fica cancelado ou revogado.
Intime-se pessoalmente os representantes da três entidades-rés. A
presente decisão não é impeditiva da realização de shows artísticos
humanos musicais e teatrais, inclusive com apresentação de palhaços, ou
desfiles e leilões de peças, máquinas e objetos, mas apenas proibitiva
de atividades para diversão pública que possam inflingir dor,
sofrimentos, torturas e maus tratos aos animais, notadamente aos bois,
touros, bezerros, cavalos, ovelhas, carneiros, pôneis, etc, vedada
terminantemente a utilização de apetrechos ou aparelhos como “sedém”,
“peiteiros”, “aparelhos de choque elétrico”, “esporas”, “laços”, “cordas
americanas”, etc, impondo-se ainda a obrigação dos responsáveis
manterem os animais em grandes espaços e bem alimentados. Expeça-se
mandado de abstenção com cominação da multa diária de 50 mil reais por
cabeça apresentada ou utilizada na forma do item 1º, sem prejuízo de
outras medidas de remoção e interdição do local. Finalmente, pela
natureza da lide, abstenho de fixar as verbas da sucumbência,
inexistindo custas conforme os benefícios da gratuidade que foram
pedidos nas fls. 13 e deferidos nas fls. 113, ficando resolvido o
incidente de impugnação ao valor da causa pelo valor de 50 mil, agora
atribuído à causa. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Comunique-se.
Marília,17/08/ 2011.