quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

| DEPENDENTE NÃO É SINÔNIMO DE BENEFÍCIO | PENSÃO É O BENEFÍCIO A TODOS | LEI 9.717/1998 |


Já tratei de tema semelhante no pos| INSS | SALÁRIO DO TRABALHADOR NÃO É FONTE OU BASE-DE-CÁLCULO | INCONSTITUCIONALIDADE |.

Apesar da pretensão autora consistir na repetição de indébito das contribuições recolhidas pela servidora aos cofres do IPREM, bem a calhar a transcrição do acórdão proferido em Apelação Cível no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

APELAÇÃO CÍVEL N° 714 111-5/6
Comarca SÃO PAULO
Apelante ELISA MARIA GUEDES (assistência judiciária)
Apelada INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA MUNICIPAL DE SÃO PAULO IPREM
Voto n° 16 724

"Previdência social. Servidor Público. Filhas solteiras, viúvas, divorciadas, e separadas.
1. A Lei Federal n° 9.717/98 literalmente vedou a concessão de benefícios distintos dos previstos na Lei n° 8.213/91, mas não limitou quem deveria ser considerado segurado, dependente ou beneficiário. Por isso não se mostra incompatível com a previsão específica das Leis Municipais n°s 9.157/80 (art. 16) e 10.828/90 (art. 8º, § 2º).
2. A exclusão das filhas solteiras, maiores de 21 anos, viúvas, divorciadas ou separadas, como dependentes ou beneficiárias depende de legislação municipal, que estabeleça regras de transição com garantia dos direitos dos que já percebem pensão e da devolução dos valores recebidos dos servidores públicos, nos demais casos.
3. O ato da autarquia municipal se recusando a receber tais contribuições bem como a pagar o beneficio, no caso da ocorrência do sinistro, define ato ilícito, pleno de ilegalidade, que impõe sua responsabilidade por dano material, legitimando a pretensão à devolução de todas as contribuições.
4. Falecida a servidora segurada, o direito à devolução se transfere à sua herdeira necessária. Apelação provida.".

Vistos

1. Em 09 10 06, pessoa natural, filha solteira de servidora pública municipal falecida em agosto de 2001 e que vinha contribuindo nos termos do art. 8º, §2°, da Lei Municipal n° 10.828 de 04.01.90, desde janeiro de 1993, ajuizou ação em face da autarquia municipal objetivando sua condenação ao pagamento de R$1 902,22 correspondente às contribuições recolhidas para concessão de sua pensão diante de ato do diretor da ré que entendeu não mais ser devida à pensão por alteração da legislação federal.

A sentença julgou extinto o processo, nos termos do art. 267, VI, do CPC, pelo reconhecimento da ilegitimidade ativa e condenou a autora nos ônus da sucumbência e honorários advocatícios fixados em R$400,00, garantidos os benefícios da justiça gratuita.

Apela a vencida reiterando os argumentos iniciais e pedindo a procedência da ação.

A resposta suscitou em preliminares a ilegitimidade de parte da autora e carência da ação, bem como a prescrição das devoluções vencidas há mais de 05 anos do ajuizamento da ação.

É o relatório.

2. Fundamento e voto.
2.1. Em sua evolução histórica, o sistema previdenciário nacional, a partir da Constituição de 1891 (art. 75) e até de 1946 (arts. 157, XVI, 191 e 193), apresentava uma nítida distinção entre o tratamento dos servidores públicos e os demais trabalhadores, de forma que a Lei n° 4.682/23 criou um sistema de caixa de aposentadorias e pensões possibilitando que os servidores públicos pudessem estar ligados a ambos (Lei n° 2.752/56). Na marcha para a unificação das "Caixas" e "Institutos", a Lei n° 3.807/60 excluiu de sua abrangência os servidores CIVIS e militares que estivessem sujeitos a regimes próprios de previdência (art. 3º, I). Por conseqüência, as pessoas jurídicas de direito público, que estabelecessem um sistema próprio de previdência, estavam livres da compulsória contribuição previdenciária.

Este sistema próprio não teve estabelecido seus pressupostos, mas se entendeu que deveria abranger as contingências sociais relativas à morte (pensão) e aposentadoria (proventos) e incapacidade total e temporária em virtude ou não de acidente (licenças). A evolução indicou que essas pessoas jurídicas não estabeleceram que tal sistema deveria ser mantido, em parte, por contribuição dos próprios servidores, ficando quase que exclusivamente a cargo daquelas, excepcionado o benefício da pensão. Como pode ser imaginado, em face dos valores dos benefícios garantidos pela legislação, quase sempre com enfoque constitucional, e ausência de estudo atuarial (o "Estado" teria sempre recursos), a evolução desses sistemas especiais indicaram para a insolvência futura das pessoas jurídicas de direito público.

Sob este enfoque deve ser compreendido o teor do texto original da CF/88 ao estabelecer a legitimidade do Município instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social (art. 149, parágrafo único). Continha ele a previsão de o Município instituir um regime próprio de previdência, diverso do chamado regime geral de previdência, cujos princípios vieram estabelecidos nos termos dos artigos 194, 195 e 201 da CF A EC n° 3/93 inovou no âmbito federal afirmando, expressamente, que a aposentadoria e pensões seriam custeadas por recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei (art. 40, § 6°), sujeitando também os pensionistas (art. 42, § 10).

A Emenda Constitucional n° 20/98 foi específica em caracterizar esse sistema especial de previdência com "caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial " (art. 40). Em um primeiro momento generalizou aquilo que viera inserido pela EC n° 3/93, não afirmando, expressamente, a responsabilidade dos aposentados e pensionistas por quaisquer contribuições.

Ressalvado o conteúdo especial do art. 40, ficou afirmado que o regime de previdência dos servidores observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social (§ 12) além da previsão de uma lei dispor sobre a concessão de pensão por morte (§ 7º). Retirou-se daí a necessidade de lei federal estabelecer as normas gerais desse sistema previdenciáno especial.

A Lei n° 9.717/98 foi editada com tal objetivo. Nela são notáveis os seguintes aspectos: a) cobertura exclusiva para servidores públicos titulares de cargos efetivos e militares e seus dependentes, b) contribuições obrigatórias de servidores ativos, inativos e pensionistas, e c) vedação de concessão de benefícios distintos dos previstos na Lei n° 8 213/91, salvo disposição em contrário da CF.

Parece claro que a lei não ignorou a diferença tradicional entre beneficiários (dependentes) e prestações (benefícios e serviços) consoante expressa disposição dos artigos 16 e 18 da Lei n° 8 213/91. Por isso deveria saber que a pensão por morte somente tem um tipo de beneficiário o dependente. Se o objetivo fosse restringir os dependentes àqueles previstos no art. 16 da Lei n° 8 213/91, deveria dizê-lo expressamente. Não se pode afirmar, portanto, que a expressão "benefícios distintos" signifique "os mesmos dependentes definidos pelo regime geral da previdência". A lei, em verdade, limitou o plano de benefícios àqueles previstos na Lei n° 8.213/91. Dentre estes deve ser considerada a existência de um mínimo que está relacionada nos incisos do art. 201. Não há vedação, portanto, de que os sistemas especiais de previdência apresentem relação de dependentes diversa do regime geral de previdência social, desde que sejam obedecidas as exigências de contributividade, equilíbrio atuarial, limite das contribuições e limites com despesa líquida.

Entretanto, a exigência da obrigatória contribuição por parte dos inativos e pensionistas já foi considerada, em tese inconstitucional, por decisões liminares do Colendo Pretório Excelso (ADIN 2 158-PR, dentre outras). Com ressalva da posição pessoal sobre o tema (o disposto no art. 149, parágrafo único da CF contraria o regime geral de previdência social, (art. 201), onde foi expressamente vedada a incidência da contribuição social sobre aposentadoria e pensão previdenciária, contributiva ou não (art. 195, II), por conseqüência, ao regime especial de previdência, criado pelo Estado e Município para seus servidores, não se aplica às disposições dos artigos 195 e 201 da CF, conforme redação dada pela EC n° 20/98) atinge o sistema, previsto pela Lei n°
9.717/98, em pressuposto básico relativo ao custeio e, por conseqüência, todo o arcabouço estabelecido para a contribuição por parte das pessoas jurídicas de direito público.

Dessa forma, melhor considerar que o sistema previdência no especial, previsto nos dispositivos constitucionais e cujas regras gerais foram estabelecidas pela Lei n° 9.717/98, não é auto aplicável. Sua implantação nos Estados e Municípios depende de edição de lei onde sejam definidos os requisitos essenciais de custeio, abrangência, benefícios, etc, bem como, estabeleça normas de transição com o sistema anteriormente vigente.

Não demonstrou o apelante que lei municipal tivesse instituído esse novo sistema com a revogação pura e simples do disposto no art. 8º, §§ 2º e 3º, da Lei Municipal n° 10.828/90. A condição de dependente da filha maior e 21 anos, solteira, viúva, divorciada ou separada judicialmente não é um favor ou caridade do legislador. Foi inserida como opção mediante contribuição capaz de gerar direitos e obrigações.
Em princípio a relação entre o servidor público e a administração é aquela imposta pela lei, daí resultando a chamada relação estatutária. Esta se caracteriza pela sua sensibilidade imediata aos efeitos da nova lei, que pode alterar direitos e obrigações sem questionamento de direito adquirido a determinado sistema jurídico.

O sistema previdenciário do servidor público, quando instituído de forma especial pelo Estado, se subordina às mesmas regras. Por isso, o direito ao recebimento da pensão ou mesmo o cálculo de seu valor está adstrito ao sistema jurídico vigente no momento da ocorrência do fato previsto na lei, que é a morte do servidor público ativo ou inativo. É nesse momento que são definidos quem sejam os beneficiários da pensão.

Por conseqüência, estando vigorando aquela norma municipal, que não se mostra inconstitucional ou contrária a qualquer lei federal, sua eficácia impõe a autarquia que a cumpra literalmente, receba as contribuições e defira as pensões no caso de morte nas condições ali estabelecidas.

2.2. Como se demonstrou, não pode se retirar da literalidade do art. 5º da Lei n° 9.717/98 qualquer incompatibilidade direta e imediata com o disposto no art. 8º, §§ 2º e 3º, da Lei Municipal n° 10.828/90. A Lei n° 9.717/98 e a Emenda n° 20/98 restringiram a abrangência do sistema especial de previdência aos titulares de cargo efetivo demonstrando, claramente, a impossibilidade de suas alterações serem auto executáveis, mas dependerem de normas locais que implementassem as alterações, resolvendo as questões dos que já percebiam benefícios, já haviam completado os requisitos para sua concessão, ou já estivessem inscritos como beneficiários, isto é, normas definidoras dos direitos e obrigações em período de transição. Anote-se que o regime especial de previdência foi reservado somente aos contribuintes compulsórios (titulares de cargos efetivos) sem quaisquer inflexões em relação a quem estes consideravam beneficiários obrigatórios ou voluntários.

2.3. Se sob tal ângulo já se mostrava equivocada a sentença, maior engano se constata quando ao exame do pedido tendo em vista os fatos descritos na petição inicial.

Por primeiro, a apelante, como filha solteira e eventual beneficiária da servidora falecida, postula a devolução das importâncias pagas pela mãe no período de janeiro de 1993 e até agosto de 2001.

Parece certo, portanto, que nenhuma providência foi tomada pela servidora falecida a partir de agosto de 2001 quando foi aplicada a orientação normativa n° 01/2001 (fls 18). Como se viu, poderia ela postular a continuidade do recebimento das contribuições ou a devolução das já pagas.

O direito a devolução das contribuições pagas ingressou no âmbito patrimonial da servidora na data da implementação daquele ato ilícito.

Ao falecer em 19.05.04, a única herdeira declarada foi a apelante, conforme consta da certidão do registro de óbito (fls. 29). Por força de sucessão legítima, o direito à devolução das contribuições passou para a apelante, o que a tornou parte legítima para ajuizar a presente ação.

Por força dos dispositivos da Lei Federal n° 6.858/80 e 8.213/91 (art. 122) já era dispensável o processado inventário ou arrolamento para efeito do herdeiro postular o resgate de tais contribuições.

Pelo exposto, dá-se provimento à apelação para julgar procedente a ação e condenar a autarquia no pagamento das contribuições pagas pela servidora falecida para o fim de concessão da pensão à apelante, consoante os valores discriminados às fls. 25/27, devidamente atualizados a partir das datas dos desembolsos, além de juros moratórios de 1% ao mês a partir da citação, bem como nos ônus sucumbenciais, fixando-se a honorária em 10% sobre o valor total da condenação, compreendendo os valores das contribuições atualizadas e os juros moratórios contados até a data do trânsito em julgado.

Desembargador Laerte Sampaio

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