Decisão: Trata-se de recurso extraordinário interposto em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, assim ementado (fls. 512-514): “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO COM PEDIDO DE LIMINAR. PRELIMINARES AFASTADAS. FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO. INTERMEDIAÇÃO E CAPTAÇÃO DE RECEITAS MAGISTRAIS E OFICINAIS PARA MANIPULAÇÃO. VEDAÇÃO ANTERIORMENTE IMPOSTA PELA RESOLUÇÃO Nº 67/2007 DA ANVISA QUE NÃO ENCONTRAVA AMPARO NAS LEIS FEDERAIS QUE REGIAM A MATÉRIA. RESOLUÇÃO CONSIDERADA ILEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE AUTUAÇÃO. ADVENTO DE LEI NOVA (LEI FEDERAL Nº 11.951/09) QUE VEDOU EXPRESSAMENTE A CAPTAÇÃO DE RECEITAS, AINDA QUE EM FILIAIS DA MESMA EMPRESA E A INTERMEDIAÇÃO ENTRE EMPRESAS, BEM COMO A CENTRALIZAÇÃO TOTAL DA MANIPULAÇÃO EM APENAS UM ESTABELECIMENTO. LEI Nº 11.951/2009 DECLARADA INCONSTITUCIONAL PELO ÓRGÃO ESPECIAL POR OFENDER O PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA - AUTORIZAÇÃO DE CAPTAÇÃO DE RECEITAS SOMENTE ENTRE EMPRESAS DA MESMA FILIAL. VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO E SENTENÇA MANTIDA EM GRAU DE REEXAME NECESSÁRIO. É de rigor o afastamento das preliminares arguidas de carência da ação por ausência de ato coator, decadência e inadequação da via mandamental. Em razão da nova redação dada ao artigo 36 da Lei nº 5.991/73 não resta mais dúvidas de que até o advento da Lei nº 11.951/2009 não havia qualquer restrição legal que impedisse a captação e intermediação de receitas, motivo pelo qual a aplicação de sanções decorrentes de manipulação de receitas advindas de outras farmácias ou de suas filiais, com base na Resolução nº 67/2007, por parte da vigilância, era tida como ilegal, vez que tal resolução vinha a impor restrições não existentes em lei.Com a edição da Lei Federal nº 11.951/2009, a qual era expressa em dizer que era vedada a captação de receitas, ainda que em filiais da mesma empresa e a intermediação entre empresas, bem como a centralização total da manipulação em apenas um estabelecimento, não havia como permitir a prática de tal conduta pelas farmácias de manipulação, podendo a vigilância sanitária promover a atuação pela prática de tais atos. No entanto, a Lei nº 11.951/2009 foi declarada inconstitucional pelo Órgão Especial desta Corte, haja vista a ofensa ao Princípio da Livre Concorrência. Assim, perfeitamente legal a captação de receitas entre matriz e filial, da mesma rede de farmácias.” No recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, aponta-se ofensa ao artigo 170 do Texto Constitucional. Nas razões recursais, sustenta, em suma, que “o direito à livre concorrência não pode configurar obstáculo à aplicação da Lei Federal 11.951/2009 pois comporta restrições. In casu, deve se dar prevalência ao direito à saúde, pois impossível compatibilizar na lide ambos os princípios.” (fls. 550) Alega, também, que “a declaração de inconstitucionalidade, ainda que se difusa não deve prevalecer, posto que não assegura o direito à saúde da população, especialmente no que se refere à vigilância sanitária.” (fls. 550) É o relatório. Decido. A irresignação não merece prosperar. Quando do julgamento da apelação, o Tribunal de origem asseverou (fls. 523-527): “Como se sabe, anteriormente, o controle sanitário farmacêutico era disciplinado tão somente pelas Leis Federais nºs 5.991/73 e 6.360/76, regulamentadas, respectivamente, pelos Decretos nºs 74.170/74 e 79.094/77, sendo que estas não proibiam a captação de receitas contendo prescrições magistrais e oficinais em estabelecimentos farmacêuticos, drogarias e congêneres e a intermediação entre empresas. Dessa forma, tendo em vista que a própria legislação que regulamentava a matéria nada dispunha sobre a impossibilidade de captação de receitas contendo prescrições magistrais e oficinais em estabelecimentos farmacêuticos, drogarias e congêneres e a intermediação entre empresas, a Resolução nº 67/2007 da ANVISA, ao fazer tal proibição, acabava por estabelecer normas contra legem ou ultra legem, vez que por se tratar de ato normativo derivado não poderia inovar originariamente a ordem jurídica, mas apenas complementar e explicar sua forma de execução. Ou seja, entendia-se que a Resolução nº 67/2007 vinha a restringir aquilo que não se encontrava restrito por lei, exorbitando o exercício do poder regulamentar, motivo pelo qual o entendimento anteriormente havido era de que mencionada resolução não poderia prevalecer, pois impunha restrições inexistentes na legislação pertinente, acabando por contrariar o disposto no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal. No entanto, com o advento da Lei Federal nº 11.951/2009, publicada em 25/06/2009, que alterou o artigo 36 da Lei nº 5.991/73, "(...) que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, para proibir a captação de receitas contendo prescrições magistrais e oficinais por outros estabelecimentos de comércio de medicamentos que não as farmácias e vedar a intermediação de outros estabelecimentos." Passou-se a entender que: Art. 1º - "O art. 36 da Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de1973, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 36 (...) § 1º - É vedada a captação de receitas contendo as prescrições magistrais e oficinais em drogarias, ervanários e postos de medicamentos, ainda que em filiais da mesma empresa, bem como a intermediação entre empresas. § 2º - É vedada às farmácias que possuem filiais a centralização total da manipulação em apenas 1 (um estabelecimento). (NR)" Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação." Em razão da nova redação dada ao artigo 36 da Lei nº 5.991/73 não restavam mais dúvidas de que até o advento da Lei nº 11.951/2009 não havia qualquer restrição legal que impedisse a captação e intermediação de receitas, motivo pelo qual a aplicação de sanções decorrentes de manipulação de receitas advindas de outras farmácias ou de suas filiais, com base na Resolução nº 67/2007, por parte da vigilância, era tida como ilegal. Entretanto, com a edição da lei acima mencionada (Lei nº 11.951/2009), a qual era expressa em dizer que é vedada a captação de receitas, ainda que em filiais da mesma empresa e a intermediação entre empresas, bem como a centralização total da manipulação em apenas um estabelecimento, não havia como permitir a prática de tal conduta pelas farmácias de manipulação, podendo a vigilância sanitária promover a atuação pela prática de tais atos. No entanto, deve-se levar em conta que, referida lei foi objeto de análise pelo Órgão Especial deste Tribunal, no julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade nº 528.562- 3/01, cuja decisão restou assim ementada: "INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE LEI N.11951/2009. POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO E DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, AINDA QUE SEU OBJETO NÃO CONTENHA AS RESOLUÇÕES ADMINISTRATIVAS EMANADAS PELO ÓRGÃO COMPETENTE DIANTE DO EFEITO REPRISTINATÓRIO QUE A MESMA CONTÉM, QUANDO ESTAS NORMAS ANTERIORES SÃO DE IDÊNTICO TEOR DA LEI MAIS RECENTE PRELIMINAR REJEITADA DISPOSIÇÃO DE INCLUSÃO DE PARÁGRAFOS AO ARTIGO 36 DA LEI N. 5991/73, IMPONDO VEDAÇÃO DE CAPTAÇÃO DE RECEITAS PARA AVIAMENTO ENTRE FILIAIS DE UMA MESMA REDE EMPRESARIAL E CENTRALIZAÇÃO TOTAL DA MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTO MAGISTRAL E OFICINAL EM UM ÚNICO ESTABELECIMENTO FARMACÊUTICO AFRONTA DIRETA AOS PRINCÍPIOS DA LIVRE INICIATIVA E LIVRE CONCORRÊNCIA TRANSPASSE DO LIMITE MATERIAL PERMITIDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PARA O ESTADO REGULAMENTAR O SETOR PRIVADO INGERÊNCIA LEGISLATIVA INDEVIDA NA ESFERA DE ATUAÇÃO GERENCIAL DE EMPRESA PRIVADA, INCLUSIVE, INDIRETAMENTE PRETENDENDO DETERMINAR ÁREA COMERCIAL DE ATUAÇÃO LOCAL ORIENTAÇÃO JÁ RECHAÇADA PELA SÚMULA N. 646 DO STF INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE." (TJPR - Órgão Especial - IDI 0528562- 3/01 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Ruy Cunha Sobrinho - Unânime - J. 01.10.2010) Tal norma, portanto, foi julgada inconstitucional por afrontar diretamente a livre iniciativa, prevista no art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal. Em sendo assim, não se mostra razoável vedar a captação de receitas, pois tal prática restringe a atividade empresarial bem como dificulta o acesso dos medicamentos aos pacientes, uma vez que estes precisariam se deslocar pessoalmente até o estabelecimento responsável pela manipulação. (…) Portanto, em consideração à declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 11.951/2009, aplica-se ao caso o posicionamento adotado pelo Órgão Especial no Incidente de Declaração de Inconstitucionalidade nº 528562-3/01, motivo pelo qual, não há qualquer ilegalidade as farmácias de manipulação, que possuam filiais, centralizem em apenas um estabelecimento a manipulação dos medicamentos.” Como se depreende desses fundamentos, eventual divergência em relação ao entendimento adotado pelo juízo a quo demandaria o reexame de legislação infraconstitucional aplicável à espécie (Leis Federais n° 5.991/73, 6.360/76 e 11.951/09), o que inviabiliza o processamento do apelo extremo. Nesse sentido: “Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. 2. Conselho Regional de Farmácia. Distribuição de medicamentos. 3. Necessidade de revolvimento da legislação infraconstitucional – Medida Provisória 2.190/2001 e Lei 5.991/73. Impossibilidade. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 923.200-AgR/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 1º.12.2015) “Agravo regimental no agravo de instrumento. Necessidade de técnico farmacêutico em estabelecimentos hospitalares. Lei nº 5.991/73. Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa. Fatos e provas. Reexame. Impossibilidade. Precedentes. 1. Não se presta o recurso extraordinário para a análise de matéria ínsita à legislação ordinária, tampouco ao reexame dos fatos e das provas dos autos. Incidência das Súmulas nºs 636 e 279/STF. 2. Agravo regimental não provido.” (AI 832.267-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 27.11.2013) Ante o exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário com agravo, nos termos do art. 21, §1º, RISTF. Publique-se. Brasília, 7 de abril de 2017. Ministro Edson Fachin Relator Documento assinado digitalmente
(RE 896725, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 07/04/2017, publicado em DJe-075 DIVULG 11/04/2017 PUBLIC 17/04/2017)
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