sábado, 25 de dezembro de 2010

| ATO JURÍDICO PERFEITO E ACABADO | REUNE REQUISITOS OU NÃO REUNE? |


Pesquisando o tema ato jurídico perfeito e acabado, direito adquirido e o conceito de expectativa de direito, localizei a decisão monocrática proferida no Recurso Extraordinário 198.993-9, do Rio Grande do Sul, in verbis, grifei:

          DESPACHO: Vistos. Trata-se de recurso extraordinário interposto com fundamento no art. 102, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, em que ficou assentado que os critérios estabelecidos na Medida Provisória n.º 32, convertida na Lei n.º 7.730/89, seriam aplicáveis aos contratos de poupança firmados e renovados após a sua vigência, constituindo-se em ato jurídico perfeito os que lhe fossem anteriores, ou seja, com período mensal iniciado até 15.1.89, atualizando-se os saldos das cadernetas com base no Índice de Preços ao Consumidor, apurado naquele mês.

2.      Sustenta a recorrente que o aresto, ao entender “haver ato jurídico perfeito, imune em relação às modificações trazidas pela MP 32/89, convertida na Lei 7730/89, contraria dispositivo constitucional, pois conferiu proteção especial a situação que não reúne os requisitos indispensáveis à sua configuração”, argumentando, ainda, que “não se contraria uma norma apenas quando se deixa de aplicá-la a situação que se enquadre perfeitamente nos seus ditames como quando, a contrario sensu, propugna-se pelo seu respeito em hipótese não abrigada pela lei, como ocorreu no caso concreto”.

3.      O recurso não comporta seguimento.

4.      Não cabe emprestar à norma o sentido postulado pela recorrente, para admitir sua aplicação retroativa, alcançando os efeitos futuros de contratos de poupança formalizados antes de sua vigência, interferindo, assim, em situações jurídicas já constituídas.          

5.      Em sede de controle abstrato, ao participar do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 493-DF, externei meu entendimento acerca da matéria versada nestes autos, oportunidade em que assentei no voto então proferido:

         “Em linha de princípio, o conteúdo da convenção que as partes julgaram conveniente, ao contratar, é definitivo. Unilateralmente, não é jurídico entender que uma das partes possa modificá-lo. Questão melindrosa, todavia, se põe, quando a alteração de cláusulas do ajuste se opera pela superveniência de disposição normativa. Não possui o ordenamento jurídico brasileiro preceito semelhante ao do art. 1.339, do Código Civil italiano, ao estabelecer: <<As cláusulas, os preços de bens ou de serviços, impostos pela lei, são insertos de pleno direito no contrato, ainda que em substituição das cláusulas diversas estipuladas pelas partes.>>
         A inserção de cláusulas legais, assim autorizadas, independentemente da vontade das partes, reduz, inequivocamente, a autonomia privada e a liberdade contratual. Decerto, nos países cuja legislação consagra regra da extensão do preceito transcrito do direito italiano, as modificações dos contratos em cujo conteúdo se introduzam, por via da lei, cláusulas novas em substituição às estipuladas pelas partes contratantes, a aplicação imediata das denominadas leis interventivas aos contratos em curso há de ser admitida, como mera conseqüência do caráter estatutário da disciplina a presidir essas relações jurídicas, postas sob imediata inspiração do interesse geral, enfraquecido, pois, o equilíbrio decorrente do acordo das partes, modo privato, da autonomia da vontade.
         Essa liberdade de o legislador dispor sobre a sorte dos negócios jurídicos, de índole contratual, neles intervindo, com modificações decorrentes de disposições legais novas não pode ser visualizada, com idêntica desenvoltura, quando o sistema jurídico prevê, em norma de hierarquia constitucional, limite à ação do legislador, de referência aos atos jurídicos perfeitos.
         Ora, no Brasil, estipulando o sistema constitucional, no art. 5º, XXXVI, da Carta Política de 1988, que <<a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada>>, não logra assento, assim, na ordem jurídica, a assertiva segundo a qual certas leis estão excluídas da incidência do preceito maior mencionado.
         (...)
         De outra parte, não é possível desconsiderar que a idéia de contrato implica, de certo modo, a de equilíbrio entre interesses opostos, manifestados pelas vontades das partes contratantes, colimando um objetivo, e que por ele se obrigam a cumprir uma determinada conduta satisfativa. Mesmo nos negócios de adesão, entre os quais se conumeram os contratos com entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação, não obstante reduzida a vontade do aderente à alternativa de <<aceitar em bloco a oferta, ou recusá-la sem discussão>>, cumpre ter presente sua natureza contratual, e, por via de conseqüência, na sua execução, a necessidade de se resguardar o equilíbrio que presidiu aos interesses dos contratantes, ao consentirem.” (RTJ 143/724)
         
           Na apreciação de medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 534-DF, em função de conflito aparente entre os dispositivos questionados e a garantia constitucional do ato jurídico perfeito, manifestei-me nos seguintes termos:


         “Quando a Constituição assegura à União privativamente legislar sobre o sistema monetário (CF, art. 22, VI), à evidência, as normas ordinárias que se editarem sobre moeda, conversão de moeda eventualmente substituída por novo padrão, sobre emissão ou outra operação do sistema monetário, hão de respeitar os princípios fundamentais da ordem constitucional democrática estabelecida no Estatuto Fundamental. O caráter instrumental da atividade financeira do Estado, visualizado na perspectiva da realização de seus fins essenciais e últimos, entre estes incluídas a realização do Direito, a segurança dos direitos fundamentais, a promoção da justiça social, não autoriza, na definição de uma ordem monetária, ou em sua alteração, o descumprimento de princípios básicos da Constituição. As normas monetárias editadas, por via de legislação ordinária, à evidência, não obstante sua importância na disciplina das relações jurídicas individuais e da ordem econômica e financeira, hão de guardar respeito à hierarquia das regras, sujeitando-se à Constituição, que a todas sobreleva.” (RTJ 152/692)

6.         De outra parte, ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal, em casos similares, negaram acolhida à pretensão da recorrente, como exemplificam as decisões proferidas nos Agravos Regimentais em Recursos Extraordinários n.ºs 193.569-4, 194.098-1, 198.294-3, 199.335-0, 199.370-8, 199.409-7, 199.636-7, julgados na sessão de 10.6.96 da Segunda Turma, de todos relator o Ministro Maurício Corrêa; nos Recursos Extraordinários n.ºs 193.789-1, 195.985-1, 198.985-8, 199.015-5, 199.185-2, 199.249-2, 201.017-1, julgados na sessão de 18.6.96 da Segunda Turma, de todos relator o Ministro Carlos Velloso; e no Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n.º 147.924-9, julgado na sessão de 27.9.94 da Primeira Turma, publicado no D.J.U. de 2.6.95, relator o Ministro Ilmar Galvão. Também o ilustre Ministro Moreira Alves, ao negar seguimento ao Agravo de Instrumento n.º 181.317-2, decidiu:

         “1. O princípio constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito se aplica, também, conforme é o entendimento desta Corte, às leis de ordem pública. Correto, portanto, o acórdão recorrido ao julgar que, no caso, ocorreu afronta ao ato jurídico perfeito, porquanto, com relação à caderneta de poupança, há contrato de adesão entre o poupador e o estabelecimento, não podendo, portanto, ser aplicada a ele, durante o período para a aquisição da correção monetária mensal já iniciado, legislação que altere, para menor, o índice dessa correção. 2.        Em face do exposto, nego seguimento ao presente agravo.”        

7.      Do exposto, com base no art. 38, da Lei 8.038, de 28 de maio de 1990, combinado com o art. 21, §1º, do RISTF, nego seguimento ao recurso.
          Publique-se
          Brasília, 25 de junho de 1996.

                     Ministro NÉRI DA SILVEIRA
                        Relator

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